É isto que o Consulado Espanhol em "San Pablo" anuncia, ao seu ulterior brado e tom, com curioso e sabotador encantamento. Trata-se de uma projeção no visitante ou duplo cidadão, desmerecido em sua requisição de cidadania.
Oficializar à Casa Real tal percepção, pareceria um absurdo e uma afronta risível, contrariamente risível à afronta que muitas vezes se recebe destes espanhóis, funcionários públicos da estirpe brasileira, pouco representativos da acidez ingênua e simplória de Províncias como Galicia. Objetividade e autoridade se tornam meras distrações para jogos de poderes, apoiados no princípio de que um Consulado é um território estrangeiro dentro de outro país.
Aquilo que em toda a Europa se denomina de "arrogância" espanhola é um dos seus traços culturais matriciais e matriarcais. O espanhol típico olha o outro como um toureiro encara um "touro": uma ameaça que deverá ser consumada. O Outro é sentido como uma ameaça à sua própria existência. Daqui advém a recusa em aceitar o diálogo e o constante apelo à força ou à agressão despropositada. A única forma que frequentemente chegam a conceber para aceitar o Outro é "matando-o" alegoricamente.
O povo espanhol, o castelhano em particular, ao longo da história parece ter alguma dificuldade em aceitar a diversidade ou as diferenças culturais. A matriz cultural da Espanha forjou-se a partir da aniquilação dos vários reinos ibéricos. Foi este modelo que acabaram por exportar para as Américas, aliás uma Lógica Inquisitorial noutro tempo.
Sim, é provavelmente um retrato excessivo, como é a generalização, mas o pior dos erros face à iminente barbárie é justamente a indiferença.
Na Catalunha, por reação contra a intolerância espanhola, acabou por desenvolver-se um expressivo movimento anarquista. A Catalunha continua a afirmar-se marginalizada pelo Estado Espanhol, lutando por todos os meios contra a sua asfixia cultural.
No País Basco, luta-se também há séculos contra tal opressão. A repressão da população atingiu tais proporções que nos anos 60 surgiu um movimento armado contra o Estado Espanhol. A população continua a viver nesta região, sob um clima de verdadeiro terror, quer provocado pelo Estado Espanhol, quer pelas ações armadas dos nacionalistas viventes da metáfora que pretendem ignorar.
Na Galicia, terra de Francisco Franco, mas também de Rosália de Castro, desenvolve-se um ambíguo movimento autonomista que luta pela manutenção das tradições galegas e o que resta da sua expressão linguística.
Brilhantes e eficazes tentativas de impedir que se cumpra o grande desígnio dos antigos inquisidores espanhóis, o de subjugarem todos os homens a um mesmo Deus, Igreja ou Chefe. Evitar em suma o triunfo desta curiosa expressão pervertida.
Diz um velho ditado português que "De Espanha nem bom vento, nem bom casamento". Embora isto seja um exagero, demonstra uma evidente necessidade de aperfeiçoamento da sociedade espanhola, para que realmente se veja refletida positivamente na imagem que pretende conceber, vívida.
Almodóvar, e certamente tantos desconhecidos, são desprendidos encorajadores. Sorte de que a intrepidez seja, por outro lado, uma bem-aventurança espanhola.
Nenhum comentário:
Postar um comentário