Perversão

Pajazckowska, Claire. Perversão.Tradução de Carlos Mendes Rosa. RJ, Relume Dumará : Ediouro, segmento Duetto 2005

O conceito psicanalítico de perversão a define como uma atitude sexual, mas não necessariamente uma atitude genital. Existem também atos pervertidos, como o roubo ou o vício, em que o indivíduo sente prazer erótico conscientemente, e entende-se que esses atos têm significado sexual para ele. Foucault, curiosamente apresentou a hipótese de que os conceitos pertencentes a um discurso devem ser entendidos como produtos do poder, ligados por fim ao direito e ao Estado.
Esta hipótese foi usada para corroborar muitas obras com material de arquivo e políticas que documentaram a criminalização da homossexualidade ou a caracterização da mulher como histérica.

Contudo, classificar um indivíduo como pervertido é reproduzir a objetificação e desumanização características da própria perversão. ao contrário de outras ciências médicas, a psicanálise diz que não pode existir conhecimento do outro que não seja em princípio um conhecimento do eu, sem o que as técnicas de interpretação seriam jogos intelectuais sem sentido.

Quando a criança entra no periodo de latência, que precede a adolescência, ela se torna mais predisposta a a aprender com a realidade do que com sua experiência corporal e as suas fantasias sexuais. As experiências infantis que constituem a primeira das duas fases do desenvolvimento difásico são reprimidas e formam a base da mente inconsciente do adulto. ao definir as pulsões sexuais numa energia que chamou de libido, Freud compreendeu que o desenvolvimento sexual humano não se limita à atividade genital para a reprodução da espécie.
A fase oral, por exemplo, é acompanhada de um desenvolvimento das concepções de ingerir, incorporar, fundir-se, e durante ela o ego forma as primeiras representações da delimitação do eu e do não-eu. A defesa do bebê contra essa realidade é em parte a confiabilidade da devoção materna, que mantém um abiente propício, e em parte uma defesa psicológica de cisão.

Toda pulsão tem quatro componentes: uma fonte, uma pressão, um alvo e um objetivo. A emergência da pressão de uma pulsão na psique é em geral sentida como uma espécie de intrusão violenta do desprazer na paz gostosa do repouso, e quase sempre se imagina que essa violência venha de "fora". Entre as defesas precoces contra as perturbações desagradáveis da unidade narcísica, está o mecanismo de projeção, que reforça a tendência do ego de perceber que as exigências a ele provém do mundo exterior.

A fase anal sucede a fase oral. Freud encontrou as evidências da fase anal e sua repressão nas formações reativas de limpeza, ordem, rigor e controle. Constrangimento intenso, humor agressivo ou segredo, envolvem os fenômenos anais no mundo adulto. Freud observou que a agressividade e o sadismo eram especialmente fortes na fase anal. É possivel que a sublimação dos impulsos anais tenha um papel significativo em grande parte da criatividade artística. A capacidade da criança de controlar o sfincter e os intestinos acarreta a sensação do poder de dar e de reter e forma outro conjunto de representações mentais por meio do qual se constrói a delimitação do eu e do não-eu.

Os teóricos da cultura notaram também que as fantasias reprimidas na fase anal tem grande evidência nas ideologias do anti-semitismo e do racismo, nas quais um grupo preserva a idealização da "limpeza" do seu eu projetando no outro os atributos depreciados e temidos de contágio, sujeira e obscuridade. Outras espécies de intolerância e crueldade estão relacionadas a angústias e medos desta fase.

Ernest Jones conclui que a narrativa cristã da imaculada conceição é construída com base numa teoria característica da fase anal - ou seja, de que os bebês nascem pelas nádegas, como fezes. Também aponta que a respiração e a fala são tratados no inconsciente como equivalentes da passagem de gases intestinais. A idéia do ascencional, por exemplo, pode ser usada na defesa maníaca, numa série de oposições diádicas em que ela se contrapõe aos sentimentos intensos do luto e aos pensamentos depressivos. Ele também afirma que a representação cristã da crucificação dá forma ao afeto doloroso dos pensamentos depressivos, ao passo que o movimento ascencional da Ressurreição tem um significado fálico inconfundível.

Depois da repressão da fase anal e das suas fantasias, a criança entra num periodo dominado pelo erotismo uretral, fálico e clitoridiano. A catexia narcísica do pênis também ocorre no momento que a pulsão epitesmofílica se organiza em torno do uso da visão pelo ego, e a visão é importante para o desenvolvimento e o controle dele. Winnicot chamou essa fase de "ostentação e bazófia", em que o impulso escopofílico, com um objetivo ativo, vouyerístico, e outro passivo, exibicionista, é inteiramente associado à fase fálica. A disinção entre os sexos masculino e feminino é feita por meio da exitência visível do pênis, de modo que o limite entre o eu e o não-eu é simbolizado pela oposição entre fálico e castrado.Trata-se tão só de um pênis, que desconhece a existência da vagina.

A diferença entre as gerações, na qual se funda o complexo de Édipo da criança, é "castradora", por implicar a concientização da criança da sua impotência relativa na escala humana das coisas. O menino reprime a sua aspiração edipiana de que a mãe seja seu parceiro sexual e forma uma identificação com o pai como modelo de objetivo adulto. Ao fazê-lo, ele interioriza o malogro do complexo de Édipo como proibição, que constitui a base da aceitação do fato social das leis, das regras e das relações de troca. A energia dos impulsos libidinais tornam-se passíveis de sublimação por meio da educação, da cultura, das brincadeiras, dos esportes e das atividades sociais.
A trajetória da menina é diferente. O complexo de castração é que leva ao complexo de Édipo. Ela distancia-se da mãe e se torna a "garotinha do papai", esforçando-se para o que o pai lhe dê atenção e para satisfazê-lo. isso é igualmente reprimido, e também a menina aceita a idéia de uma lei social ou cria uma série de equivalentes do amor do pai, que precisam ser conquistados por meio da sedução. Existe ainda entre os psicanalistas o consenso de que o padrão de uma sexualidade infantil ativa que sucumbe à repressão e mais tarde ressurge na puberdade é uma característica fundamental da sexualidade, e que esse caráter difásico da sexualidade humana é crucial para entendimento as neuroses e perversões.

Freud em 1939 concluiu que o corpo inteiro é uma zona erógena. As representações e fantasias de cada um, organizam-se em torno da pulsão epistemofílica e da sua curiosidade pelas torias sexuais infantis. Essas são as soluções conceituais da crianças para a dúvida imatura quanto à origem dos bebês e ao caráter do relacionamento dos seus pais. Essas idéias e soluções arcaicas permanecem ativas no subsconciente.

Não se pode separar o pensar do sentir, e na infância as sensações carnais são muito parecidas com as sensações emicionais. O ego em desenvolvimento é que separa o som da visão, o sofrimento emocional da dor física, a angústia do desconforto no corpo, e assim por diante, à medida que ele se separa do id e separa o eu do não-eu. As fantasias relativas à oralidade são onipresentes tanto na cultura como nas brincadeiras infantis. Freud observou que a angústia da castração pode provocar uma regressão a uma fase anterior. Importante diferenciar, entretanto, a idéia infantil de um falo "sozinho e poderoso" da experiência adulta do pênis como órgão reprodutor, capaz de transformar o homem em pai.

A fase fálica abomina enigmas, o mistério deve ceder lugar à mestria. E as fantasias das meninas? Na fase fálica existe uma predisposição para a inveja do pênis, em que as meninas perguntam se não prefeririam ser meninos - ou melhor, são dominadas temporariamente pela convicção de que prefeririam ser do sexo masculino ou ter o que os meninos têm. A curiosidade sexual da menina edipiana encontra um objeto bem visível no pênis do pai, o que pode permanecer no inconsciente da mulher adulta heterossexual como uma sensação de que os homens são indescritivelmente magníficos. A inveja do pênis diminui à medida que o complexo de Édipo se instala e as meninas podem redescobrir o encanto das mulheres, da sua mãe e da idéia de ter um bebê.

Segundo Freud, foi a descoberta na infância de que as meninas, as mulheres ou as mães não tem pênis - descoberta feita com os olhos - que precipitou o complexo de castração e criou a angústia da castração. Nas meninas, a angústia foi uma reação à descoberta de que elas eram castradas, e nos meninos a angústia poderia oscilar entre "prestes a ser castrado", uma ameaça, ou ser castrado, a transição para o interesse pela realidade externa.


No fetichismo existe uma inter-relação complexa entre um sitema de pensamento conhecido por negação - baseado numa forma de clivagem defensiva do ego entre a percepção sensorial e a crença, uma atividade erótica ou prática sexual que associa a presença de um fetiche a uma fantasia particular imprescindível para o orgasmo - e uma estrutura afetiva que dita a experiência emocional do fetichista diante do objeto de fetiche e outras pessoas. O fetiche, segundo Freud, indica a intenção do sujeito de destruir a evidência que possibilitaria a castração.

A castração, para Lacan e novamente Freud, é acima de tudo a castração da mãe, e é por isso que as figuras principais que ela inspira são em certa medida comuns para crianças de ambos os sexos. A criança que vê o corpo da mãe é compelida pela percepção que existem seres humanos sem pênis. Contudo, a criança não interpreta exatamente uma diferença anatômica. Ela acredita que todos os seres humanos tem pênis e, portanto, entende o que ela viu como resultado de uma mutilação, simbolizando aqui todas as perdas, tanto reais como imaginárias que a criança já sofreu.
Uma pessoa que seja promíscua pode afirmar que essa é uma forma de liberdade sexual que não é da conta de ninguém, mas pode também reconhecer tacitamente que a mágoa ou decepção provocada nos outros é uma condição indispensável do prazer. O papel do inocente sexual que está apenas se desinibindo e se "libertando" é uma representação de um drama de hostilidade e vingança. Já o bisbilhoteiro que olha pela janela imagina que a pessoa que está tirando a roupa o faz para ele, e se encontra magicamente sob o seu controle. O cinema erótico proporciona isso à todos. Sendo a forma estática ou dinâmica, o princípio é o mesmo: a questão é mexer simultaneamente com a excitação do desejo e sua não-realização.
As pulsões pré-genital e pré-edipiana são então reprimidas e sublimadas ou passam a constituir a genitalidade adulta. O destino destas pulsões é voltada, a partir daí, para a união sexual e intimidade com a pessoa amada, depois do que se tornam componentes das carícias preliminares, da sedução e do galanteio que leva à sexualidade propriamente dita.

Parece que nenhuma pessoa sadia deixa de fazer um acréscimo ao alvo sexual normal. Do mesmo modo, talvez a homossexualidade e o lesbianismo façam parte da heterossexualidade e se diferenciem apenas na forma latente e explícita que assumem, no sentido de definirem ou não uma sexualidade.

Após Freud, uma obra de Klein aponta que no homicídio sádico há evidências de uma fantasia pervertida em que o orgasmo é equiparado à destruição ou aniquilação da idéia de um bebê ou de uma criança. John Bowlby nota que quase sempre existe um comportamento sexual impróprio quando as relações de apego não se desenvolvem satisfatoriamente ou tenham sido interrompidas ou cortadas. Assim, a sexualidade pervertida passou a ser vista como sintoma de um abalo inerente às relações de confiança e segurança. Os sintomas da perversão são resultado da angústia e uma resposta a um ataque à identidade sexual do indivíduo (masculinidade ou feminilidade).
Para Robert Stoller, o estupro é um ato de controle e violência que usa os órgãos sexuais, e não apenas um ato sexual particularmente agressivo. Já o exibicionista procuraria estar a salvo não da polícia (ao detê-lo), mas do pavor interno de ser um homem desprezível. Stoller supõe que a perversão seja primeiramente uma defesa contra a depressão psicótica.

Khan investiga a perversão na sua função de tática de intimidade, uma alienação do eu, uma forma de representação e uma forma de idealização do eu. Ele descreve o sexo pervertido como "trepar por intento, não por desejo". O pervertido relaciona-se não com outra pessoa num encontro intersubjetivo, mas como um cúmplice tratado como objeto subjetivo e coagido a representar a situação fantasiosa do pervertido.
Estela Welldon, da Clínica Portman em Londres, argumenta que a maternidade é uma função que pode propiciar às mulheres a oportunidade de materializar fantasias de poder , o que faria os bebês serem usados como objetos maternos.
Na função biológica, de acordo com Freud, as duas pulsões fundamentais atuam uma contra a outra ou se juntam. Assim, o ato de comer é uma destruição do objeto com o objetivo final de incorporá-lo, e o ato sexual é um ato de agressão com o propósito da mais íntima união.

Se a sexualidade e o apetite são uma fusão de Eros e Tânatos, se a sedução é uma agressão, então o que é o amor?

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