A outra face do Mickey


FROMM, Erick. O medo à Liberdade. Zahar Editores, SP, 1965, pgs 116-118.

"Até que ponto uma pessoa comum compartilha do mesmo sentimento de medo e insignificância denunciado pela popularidade dos desenhos do Mickey?
Neles, o tema exclusivo - em múltiplas variações - é sempre este: algo pequeno é perseguido e ameaçado esmagadoramente mais forte, que quer matar ou engolir o pequeno; este corre e acaba escapando ou até mesmo levando a melhor sobre o adversário.
Como ocorre, o espectador vive todos os seus temores e no fim obtém a sensação confortadora de que, a despeito de tudo, será salvo e até dominará o mais forte. Sem embargo, esta é a parte expressiva e triste do "final feliz" - sua salvação depende sobretudo de sua capacidade para fugir e dos acidentes imprevistos que impossibilitem ao monstro agarrá-lo.

A posição em que se encontra o indivíduo de nossa época já havia sido prognosticada por pensadores visionários do século XIX.
Nietzsche visualiza o niilismo que se aproxima, e que deveria manifestar-se ao nazismo, e pinta o retrato de um super-homem como a negação do indivíduo insignificante e desorientado que ele via na realidade.
...
O sentimento de solidão e impotência foi lindamente manifestado na seguinte passagem de Julian Green: 'Eu sabia que pouco valíamos em comparação com o universo, sabia que nada éramos; porém, ser tão incomensuravelmente nada parece, de algum modo, ao mesmo acabrunhar e tranquilizar. Esses números, essas dimensões que escapam à compreensão humana, são totalmente desalentadores. Haverá alguma coisa, afinal, a que nos podemos agarrar? E meio ao caos de ilusões em que nos achamos mergulhados, só há uma coisa de verdadeiro - que é o amor. Tudo o mais é nada, um vácuo completo. Espiamos para um imenso abismo escuro. E sentimos medo'".

Lindos comentários, tudo dissertado à partir da discussão acerca da ambiguidade da liberdade. Para não tornar isto ainda mais estranhamente enfadonho, apesar de sua veemente pertinência, podemos finalizar ainda com Fromm, mesma obra, pgs 218-220:

"SÓ HÁ UM SENTIDO PARA A VIDA: O PRÓPRIO ATO DE VIVER. Os homens nascem iguais, porém também nascem diferentes.
...
A liberdade positiva também dá a entender que não existe poder superior à este eu individual ímpar, que o homem é o centro e a finalidade de sua vida (...)
Dizer que um homem não deve submeter-se a nada superior a si mesmo não contesta a dignidade dos ideiais: pelo contrário, é a mais vigorosa afirmação de ideais(...) desde que reconhecida a diferença entre autenticidade e ficção".

PS: Eu ainda vou pra Disney, assim que tiver grana... Fromm que me desculpe por esta, mas...

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